Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página

Extrato de gazetas inglesas

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 28 de Janeiro de 2019, 16h24 | Última atualização em Sexta, 13 de Agosto de 2021, 13h53

Extratos das gazetas inglesas ''The London Packet '' e ''Bell's Weekly Messenger ''  e de folhas espanholas contendo notícias sobre o provável retorno de d. João VI a Portugal e sobre as relações diplomáticas entre a Áustria e o governo lusitano.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado Reino, Guerra, Estrangeiros e Marinha
Notação: antiga cx 731 pct 02, atual 260 em possíveis anexos
Datas limite: 1755-1863
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Imprensa, jornais e pasquins no reino e na colônia
Data do documento: 2 de novembro de 1821
Local: s/l
Folhas:

Leia esse documento na íntegra

 

"(...) N°. 3.

Extratos das folhas Inglesas "The London Packet" e "Bell's Weekly Messenger"[1] desde 2 de novembro até 25 do dito mês.

Londres 1 de novembro.

Chegou de Lisboa[2] o paquete Duque de Kent, e trouxe notícia até 22 do passado. Haviam-se ali recebido ofício do Rio de Janeiro[3], e pela mesma via algumas cartas particulares. O seu conteúdo parecia de um caráter tão assustador, inda que no Brasil reinava aparentemente a tranquilidade, que os portugueses não se achavam dispostos a entrar em especulações comerciais, seja com o Rio de Janeiro, ou seja com outro qualquer porto do Brasil. Inda não era sabido o tempo  da partida do Príncipe Real[4], mas suponha-se geralmente que cedo se efetuaria a Resolução das Côrtes para o Seu chamamento[5]. – Os avisos comerciais mencionavam, a respeito do sistema proibitivo adotado por aquelas Côrtes[6], que o imposto sobre os produtos e manufaturas estrangeiras não podia durar muito tempo, pois considerava-se como impossível que os portugueses pudessem passar sem elas, sendo as suas manufaturas mais inferiores às deste País. Se todavia as Cortes, em imitação do plano seguido pela Espanha[7], fizer permanentemente a Lei da proibição, seguir-se-á então o mais extenso contrabando, e nada poderia afetar a introdução ilícita dos gêneros britânicos.

(The London Packet 2 de 9bro)

 

[1] THE LONDON PACKET OR NEW LLOYD’S:  The London Packet, or, New Lloyd's evening post foi um periódico inglês que circulou de abril de 1772 a dezembro de 1836. Publicado três vezes por semana, em Londres, trazia notícias locais e internacionais. Já o Bell's Weekly Messenger foi um jornal semanal britânico, publicado entre maio de 1796 e 1896 também em Londres. Segundo seu editorial, apresentava "reflexões originais" sobre o cenário político europeu e um "conhecimento geral e perfeito do que está se passando em todas as partes do mundo". As notícias internacionais chegavam ao Brasil, com considerável atraso, através de navios (paquetes), que traziam exemplares de jornais estrangeiros, responsáveis por promover uma integração sistemática entre o Brasil e o resto do mundo. Mesmo durante o período colonial, a circulação desses impressos foi uma atividade importante. Apesar de toda censura real, não era rara a compra de gazetas dos marinheiros que aportavam nas principais cidades brasileiras. Com a instalação da Impressão Régia em 1808 na capital, as notícias estrangeiras também poderiam ser lidas nas folhas do primeiro periódico oficial impresso no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro, que extraia informações de jornais internacionais, sobretudo ingleses e franceses, convergentes à linha editorial e ideológica da folha.

[2] LISBOA: capital de Portugal, sua origem como núcleo populacional é bastante controversa. Sobre sua fundação, na época da dominação romana na Península Ibérica, sobrevive a narrativa mitológica feita por Ulisses, na Odisseia de Homero, que teria fundado, em frente ao estuário do Tejo, a cidade de Olissipo – como os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso rio de auríferas areias. Durante séculos, Lisboa foi romana, muçulmana, cristã. Após a guerra de Reconquista e a formação do Estado português, inicia-se, no século XV, a expansão marítima lusitana e, a partir de então, Portugal cria núcleos urbanos em seu império, enquanto a maioria das cidades portuguesas era ainda muito acanhada. O maior núcleo era Lisboa, de onde partiram importantes expedições à época dos Descobrimentos, como a de Vasco da Gama em 1497. A partir desse período, Lisboa conheceu um grande crescimento econômico, transformando-se no centro dos negócios lusos. Como assinala Renata Araújo em texto publicado no site O Arquivo Nacional e a história luso-brasileira, existem dois momentos fundadores na história da cidade: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. No primeiro, a expansão iniciada nos quinhentos leva a uma nova fase do desenvolvimento urbano, beneficiando as cidades portuárias que participam do comércio, enquanto são elas mesmas influenciadas pelo contato com o Novo Mundo, pelas imagens, construções, materiais, que vinham de vários pontos do Império. A própria transformação de Portugal em potência naval e comercial provoca, em 1506, a mudança dos paços reais da Alcáçova de Lisboa por um palácio com traços renascentistas, de onde se podia ver o Tejo. O historiador português José Hermano Saraiva explica que o lugar escolhido como “lar da nova monarquia” havia sido o dos armazéns da Casa da Mina, reservados então ao algodão, malagueta e marfim que vinham da costa da Guiné. Em 1º de novembro de 1755, a cidade foi destruída por um grande terremoto, com a perda de dez mil edifícios, incêndios e morte de muitos habitantes entre as camadas mais populares. Caberia ao marquês de Pombal encetar a obra que reconstruiu parte da cidade, a partir do plano dos arquitetos portugueses Eugenio dos Santos e Manuel da Maia. O traçado obedecia aos preceitos racionalistas, com sua planta geométrica, retilínea e a uniformidade das construções. O Terreiro do Paço ganharia a denominação de Praça do Comércio, signo da nova capital do reino. A tarde de 27 de novembro de 1807 sinaliza um outro momento de inflexão na história da cidade, quando, sob a ameaça da invasão das tropas napoleônicas, se dá o embarque da família real rumo à sua colônia na América, partindo no dia 29 sob a proteção da esquadra britânica e deixando, segundo relatos, a população aturdida e desesperada, bagagens amontoadas à beira do Tejo, casas fechadas, como destacam os historiadores Lúcia Bastos e Guilherme Neves (Alegrias e infortúnios dos súditos luso-europeus e americanos: a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1807. Acervo, Rio de Janeiro, v.21, nº1, p.29-46, jan/jun 2008). No dia 30 daquele mês, o general Junot tomaria Lisboa, só libertada no ano seguinte mediante intervenção inglesa.

[3] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[4]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[5] RESOLUÇÃO DAS CORTES PARA O SEU CHAMAMENTO: em agosto de 1820, tem início a Revolução do Porto, insurreição que propunha a convocação das Cortes de Portugal, um parlamento formado por deputados portugueses, em sua maioria, mas também brasileiros e de Algarves, com o objetivo de elaborar uma constituição liberal para o reino.  Tal constituição limitaria os poderes monárquicos e era considerada pelos sediciosos como solução para os problemas político-econômicos que passavam os lusitanos desde as invasões francesas [ver Pérfida usurpação dos franceses]. A consequente mudança da família real para o Rio de Janeiro, a abertura dos portos brasileiros e a assinatura dos tratados de 1810, nos quais d. João concedia privilégios alfandegários à Inglaterra, causou ainda maiores prejuízos aos comerciantes portugueses. Diante da situação de dependência em relação a decisões tomadas a partir da capital da ex-colônia, uma das primeiras resoluções das Cortes foi a determinação do retorno de d. João VI à Portugal e seu juramento perante a futura carta constitucional, legitimando assim aas ações do Congresso e evitando resistências. As notícias da Revolução do Porto chegaram ao Brasil dois meses após o início do movimento e dividiram opiniões em torno do projeto liberal adotado e as medidas conservadoras que pretendiam a recolonização da antiga possessão. Após inúmeras dúvidas e hesitações – seu retorno poderia significar submissão e concordância ao movimento, mas sua permanência, mesmo retardando o avanço das ideias liberais no Brasil, talvez levasse ao rompimento com Portugal –, pressionado e procurando evitar uma possível fragmentação de seu Império, através do decreto de 7 de março de 1821,o monarca anunciava seu regresso e da família real. Declarava ainda que, até se executar a nova organização constitucional do Estado, o herdeiro da Coroa, príncipe d. Pedro, ficaria como representante do rei no Brasil. Em 26 de abril de 1821, a bordo do navio de guerra que carregava seu nome, d. João retornaria a Lisboa.

[6] SISTEMA PROIBITIVO ADOTADO POR AQUELAS CORTES: a proibição de importações ou a fixação de elevados impostos sobre a entrada de mercadorias nos portos lusitanos foram regras correntemente empregadas durante o período vintista (a partir da Revolução do Porto em 1820 até a restauração da monarquia absolutista em 1823). A abertura dos portos brasileiros, resultante da transferência da Corte para o Rio de Janeiro, somada as medidas adotadas pelos tratados de 1810, prejudicavam sobremaneira as atividades produtivas portuguesas, particularmente no setor manufatureiro e industrial. Tais circunstâncias implicaram na elaboração de uma política econômica protecionista, tendo em vista a recuperação dos setores de atividade ameaçados pela concorrência estrangeira, principalmente britânica. O decreto de 14 de julho de 1821, por exemplo, estabelecia impostos de 30% sobre tecidos e manufaturas de lã inglesa, considerando os “gravíssimos prejuízos” pelos quais passavam a “Fazenda Pública e a Indústria Nacional” (ver em Colecção de Decretos, Resoluções e Ordens das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da nação portuguesa, desde sua instalação em 26 de janeiro de 1821. Coimbra: na imprensa da Universidade, 1822). As mudanças legislativas elaboradas pela Cortes de Portugal eram entendidas como processo essencial para o fim do absolutismo e do antigo regime e para a reabilitação das atividades produtivas, recuperando o país de uma situação de atraso econômico.

[7] PLANO SEGUIDO PELA ESPANHA: a Revolução do Porto, iniciado em agosto de 1820 e que levou ao fim do absolutismo português, foi fortemente influenciada pelas circunstâncias espanholas: reunidas em Madrid desde junho, as Cortes hispânicas buscavam retomar a Constituição de Cádiz, elaborada entre os anos de 1810 e 1814, obrigando Fernando VII a jurar a carta constitucional, anteriormente invalidade, e atender às exigências do movimento revolucionário. Os princípios do constitucionalismo e liberalismo contidos na carta espanhola foram amplamente difundidos durante esse período, tornando-se modelo para vários movimentos políticos que se definiam como liberais, como foi o caso de Portugal. O crescente descontentamento português pela inversão do centro de poder do reino de Lisboa para o Rio de Janeiro, que perdurava desde 1808, associado às dificuldades econômicas decorrentes da abertura dos portos brasileiros, fez da experiência hispânica uma alternativa capaz de conduzir os portugueses no estabelecimento de um novo pacto político a partir da convocação das Cortes portuguesas e a elaboração de uma constituição para o país.

Fim do conteúdo da página