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Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro

Escrito por Ricardo Almeida | Publicado: Terça, 16 de Julho de 2019, 19h22 | Última atualização em Quarta, 05 de Mai de 2021, 17h08

Cópia de documento de João Antônio Salter de Mendonça para a Ilustríssima Junta da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro informando sobre a distribuição dos vinhos, consoante sua qualidade e quantidade, para embarque, abastecimento das tavernas e exportação para o Brasil, Báltico e outras partes.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 710  pct 02
Datas limite: 1817-1820
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Portugal, produtos vinhos
Data do documento: 2 de fevereiro de 1818
Local: Rio de Janeiro

 

Cópia

Para o Provedor, Vice Provedor e Deputados da Ilma. Junta da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro[1]

Sendo presente a Sua Magestade a conta da Ilma Junta da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, em data de 27 de janeiro último, sobre a quantidade e qualidade dos vinhos[2] legais de embarque do Alto Douro[3] do ano próximo passado de 1817 e do juízo que fizeram os qualificadores e provadores: e tomando o mesmo senhor em consideração o que a Ilma. Junta[4] propõe na dita conta, como medidas saudáveis e úteis à lavoura e ao comércio é servido conformando-se com a mesma proposta que somente se aprovem para embarque as vinte e sete mil setecentas e quarenta e três pipas[5] e meia apontadas para a primeira qualidade, e que este vinho assim aprovado seja vendido a sessenta mil réis, que as sete mil setecentas e quarenta e uma e meia pipas apontadas para a segunda qualidade sejam compradas pela Ilma. Junta não para embarque, mas para consumo das tavernas[6] do exclusivo[7] da Companhia e também para entrar em lotação de vinhos para o Brasil e Báltico[8] e outras partes para onde é permitida a exportação de vinho do ramo[9], e que este vinho seja pago a quarenta mil réis, e a Ilma. Junta o poderá vender nas tavernas a sessenta réis, o quartilho[10] e finalmente poderá pagar a lavoura cada pipa de vinho de terceira qualidade a trinta mil réis, em lugar de vinte mil réis. O que tudo participo a Ilma. Junta para sua inteligência e execução.

Deus guarde a V.S. Palácio do Governo em 2 de fevereiro de 1818 – João Antonio Salter de Mendonça[11]

Joaquim Guilherme da Costa Posser

 

[1] JUNTA DA ADMINISTRAÇÃO DA COMPANHIA GERAL DA AGRICULTURA DAS VINHAS DO ALTO DOURO: na condição de órgão de governo, a Junta da Administração decidia e geria todos os assuntos concernentes à Companhia. Propunha ao rei as medidas legislativas consideradas necessárias, diretamente ou através do procurador que mantinha em Lisboa, junto à Corte, executava as suas decisões, fiscalizava a produção e o comércio dos vinhos do Alto Douro, das aguardentes e vinagres, superintendia na arrecadação dos impostos régios comissionados à Companhia, exercia funções de inspeção sobre os estabelecimentos do ensino técnico do Porto e sobre obras da cidade e negociava como qualquer outra administração de uma empresa comercial. De acordo com o aviso de 9 de agosto de 1756 e os estatutos gerais da Companhia, constituía-se de um órgão colegiado, inicialmente com mandato de três anos, formado por um provedor, doze deputados, seis conselheiros e um secretário. O provedor e deputados seriam vassalos do rei, naturais ou naturalizados, excluindo, portanto, os estrangeiros, que podiam ser acionistas, mas não administradores, moradores no Porto ou no Alto Douro, com um mínimo de 10 000 cruzados em ações da Companhia. Os conselheiros eram recrutados entre os “homens inteligentes” do comércio. Esta composição foi alterada pela carta régia de 16 de dezembro de 1760, que reduziu o número de membros da Junta a um provedor, um vice-provedor e sete deputados, além do secretário. Essa composição se manteve até 1834. A Junta da Companhia reunia-se na sua Casa de Despacho, as terças e sextas-feiras. As reuniões podiam ainda ser extraordinárias, através de convocatória do provedor aos deputados. As faltas às reuniões, por parte dos deputados, tinham de ser justificadas. O impedimento de qualquer deputado por mais oito dias levava à sua substituição por um dos deputados do ano precedente. A Junta de Administração foi extinta juntamente com o fim da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro definido pelo decreto de 30 de maio de 1834.

[2] VINHO: bebida alcoólica resultante da fermentação do sumo das uvas (mosto), que contém grande concentração natural de açúcares, em contato com leveduras existentes na casca do fruto. O primeiro registro sobre a existência de um vinhedo cultivado data do ano 7.000 a.C. e se situava na região da Europa oriental e costa do mar Negro. Mais tarde, o plantio da vinha chegou ao Egito, à Grécia e a outras partes da Europa. A utilização do vinho nos sacramentos cristãos garantiu a sobrevivência da viticultura no período medieval: foi em torno das catedrais e dos mosteiros que os monges a aperfeiçoaram, a partir do emprego de castas de uvas especiais e da melhoria das técnicas, o que resultou num produto de melhor qualidade, permitindo sua comercialização no final desse período. Portugal possuía longa tradição vinícola; no século XVIII, já exportava quantidade significativa de vinho do porto e madeira para o mercado inglês. Nesse mesmo período, a produção vinícola das províncias do norte começava a se destacar, suplantando a produção do vinho fortificado, assemelhado ao do porto, produzido na ilha da Madeira. Para sua comercialização, os vinhos eram classificados segundo tipo e qualidade. Vinho de feitoria (oriundo de região demarcada), vinho de quintas (produzido e comercializado por vinicultores individuais), vinho de embarque (de qualidade adequada para exportação), vinho generoso (licoroso, com elevados teores de açúcar e fortificado com uma graduação alcoólica entre 14 a 18º servido, normalmente, como aperitivo) são algumas dessas classificações. No início da colonização, havia no Brasil uma produção significativa em São Paulo que foi proibida para não prejudicar o comércio de importação da portuguesa. O vinho era a bebida consumida pela elite colonial que o apreciava também devido às suas qualidades terapêuticas. Foi bastante considerável o volume de comércio de importação do vinho português para o Brasil. A Coroa portuguesa garantiu o mercado colonial para seu produto concedendo à Companhia de Comércio (1649) o monopólio da sua importação (estanco). Chegou mesmo a ser usado como moeda no início do tráfico de escravos, mas acabou substituído pelas aguardentes já no século XVII, produto mais barato, de maior durabilidade e aceitação na África.

[3] ALTO DOURO: constitui a região vitícola demarcada e regulamentada mais antiga. Suas origens remontam a 1756, quando Sebastião José de Carvalho e Melo, ministro de José I, instituiu a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, com sede no Porto, empresa que teve, entre as suas primeiras funções, a demarcação do Alto Douro e a regulamentação do “vinho de embarque”, “vinho do Douro” ou “vinho do Porto”. Por meio do aviso de 28 de julho de 1757, marquês de Pombal mandou demarcar “as duas costas do rio Douro e os respectivos terrenos que produzem diferentes qualidades de vinhos”. Para essa demarcação foram implantados 201 marcos de granito. No ano de 1761, foram colocados mais 134 marcos pombalinos, perfazendo um total de 335. Em 2001, uma pequena parte da região do Alto Douro, ao longo do rio Douro, foi classificada pela UNESCO como Patrimônio Mundial. Vários fatores justificam a identidade do alto Douro: paisagem cultural única em toda a sua extensão; cadeias montanhosas que defendem a região dos ventos úmidos do Atlântico; solos xistosos que propiciam condições excepcionais para a produção de vinhos de qualidade; intervenção humana na natureza, possibilitando o cultivo da vinha nas encostas íngremes, selecionando os melhores solos, modelando assim uma paisagem vinícola inconfundível e única no mundo; paisagem histórica.

[4]  ILUSTRÍSSIMA JUNTA: Por meio do alvará de 15 de agosto de 1805, a Junta da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro passou a usufruir o título de Ilustríssima e a receber tratamento de Senhoria. (Ver também JUNTA DA ADMINISTRAÇÃO DA COMPANHIA GERAL DA AGRICULTURA DAS VINHAS DO ALTO DOURO)

[5] PIPA: Unidade de medida de capacidade para líquidos de origem europeia. A medida de uma pipa, regulada pelo tacho da Câmara do Porto e das do Alto Douro, somava 21 almudes e seis canadas, de acordo com alvará de 20de dezembro de 1773, ou 21,5 almudes.

[6]  TAVERNAS E CASAS DE PASTO: o comércio de alimentos no período colonial envolveu várias modalidades, como vendas, armazéns, comércio das ruas, das quitandeiras, além de casas de pasto e tabernas. Esses espaços funcionaram também como um espaço de sociabilidade e para hospedagem, como se pode ver em diferentes narrativas dos que passaram pelo interior das capitanias, encontrando pouso em estalagens ou vendas e experimentando os mais diversos cardápios, alguns muito precários, outros reservados aos mais abastados. Mas, no início do século XIX, é na capital que as casas de pasto se multiplicam e, depois também, restaurantes de hotéis, que passam a servir refeições nas áreas nobres da cidade ou no centro. Assim, como descreve Maria Beatriz Nizza da Silva em Vida Privada e cotidiano no Brasil na época de d. Maria I e d. João VI, abriam-se mesas redondas onde se pagava semanalmente uma subscrição pelo jantar, única forma de admissão dos comensais. O jantar, que ocorria às 14 horas habitualmente poderia incluir vinho e em alguns casos também se poderia escolher não partilhar a mesa, ocupando um quarto fechado. Além dos portugueses, outros estrangeiros se ocuparam do negócio no Rio de Janeiro, como ingleses e franceses, em hotéis como o Royaume du Brésil. Comia-se nesses estabelecimentos sopas, cozidos, doces, e algumas receitas mais sofisticadas anotadas por Jean Baptiste Debret em sua Viagem pitoresca: “lembrarei pois que em 1817 a cidade do Rio de Janeiro já oferecia aos gastrônomos recursos bem satisfatórios, provenientes da afluência prevista dos estrangeiros por ocasião da elevação ao trono de d. João VI”. Era, segundo o artista francês, o paladar de comerciantes e viajantes ingleses e alemães que exigia os prazeres da mesa, atendidos pelos italianos que imperavam no comércio relacionado à alimentação, em restaurantes e casas de comestíveis que vendiam azeites finos, frios bem conservados, massas delicadas, frutas secas de primeira qualidade. Foram também os únicos padeiros da cidade então em atividade, na rua do Rosário, seguidos por outros concorrentes no abastecimento de pão.

[7]  EXCLUSIVO: prática de política mercantilista de concessões régias que auferia à Coroa rendimentos advindos de contratos sobre direitos de exploração de determinados produtos. O "exclusivo" assumiu várias formas: arrendamento, exploração direta pelo Estado, criação de companhias privilegiadas de comércio, beneficiando determinados grupos comerciais metropolitanos etc. (Ver também ESTANCO).

[8] BÁLTICO: região localizada a nordeste da Europa, recebe tal nome por ser banhada pelo mar Báltico, que ocupa o litoral da Suécia, Finlândia, Rússia, Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, nordeste da Alemanha e o leste da Dinamarca e suas numerosas ilhas. Nessa região, três destes países são caracterizados como “países bálticos”: Estônia, Lituânia e Letônia. A região do Báltico teve importância na aliança das cidades mercantis alemãs ou de influência alemã que manteve um monopólio comercial sobre quase todo norte da Europa. Os navios portugueses traziam cereais do Báltico e levavam de Lisboa o açúcar, do Brasil e, do Porto o famoso vinho

[9] VINHO DE RAMO: os vinhos são diferenciados em categorias distintas de acordo com sua qualidade e proveniência. O vinho de ramo, também chamado de vinho de mesa ou vinho comum, era de qualidade modesta, destinado ao consumo doméstico. Normalmente, eram vinhos não fortificados, consumidos nas tavernas do Porto e do Douro.

[10] QUARTILHO: unidade de medida de volume de líquidos que corresponde a 0,25 de uma canada ou cerca de 0,35 litros.

[11] MENDONÇA, JOÃO ANTÔNIO SALTER DE (1746-1825): nascido em Pernambuco, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Retorna ao Brasil, onde foi nomeado desembargador da Relação do Rio de Janeiro, por decreto de 17 de dezembro de 1772. Ainda nesta cidade, exerceu os cargos de ouvidor-geral do Cível, procurador da Coroa e da Fazenda Real, deputado da Fazenda, porteiro e guarda-mor da Alfândega. Em 1779, foi transferido para a Relação do Porto, ocupando os cargos de procurador fiscal e conservador da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Em 1789, é nomeado para desembargador da Casa da Suplicação de Lisboa. Em 18 de fevereiro de 1799, assume o cargo de procurador da Coroa, que exerce concomitante com o de desembargador do Desembargo do Paço, a partir de 1802. Ao longo da vida, ocupa diversos outros cargos e funções públicas, entre eles, o de chanceler da Casa da Suplicação (1812), guarda-mor do Real Arquivo da Torre do Tombo (1813), presidente da Comissão do Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura (1812) e presidente da Comissão da Nova Reforma de Pesos e Medidas (1812). Com a transferência da família Real para o Brasil, faz parte da regência nomeada por d. João VI, desempenhando as funções de secretário de Estado dos Negócios do Reino e da Fazenda, permanecendo nessas funções de 1807 até 1820. Também neste ano, recebe o título de 1° visconde de Azurara.

 

 

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