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Condenação dos réus José Mascarenhas e Francisco Távora

Escrito por Ricardo Almeida | Publicado: Quinta, 03 de Outubro de 2019, 19h29 | Última atualização em Quinta, 19 de Agosto de 2021, 22h13

Condenação dos réus José Mascarenhas e Francisco Assis de Távora, parte integrante do processo de acusação dos Távoras e do duque de Aveiro, pela tentativa de assassinato do rei d. José I. Os réus foram condenados à pena de morte, além do confisco de todos os seus bens pela Coroa, por serem cabeças da conjuração que atentou contra vida do Rei.

 

Conjunto documental: Processo dos marqueses de Távora
Notação: códice 746, vol. 01
Datas-limite: 1758-1759
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Microfilme: 005.0.73
Argumento de pesquisa: Processo dos Távoras
Data do documento: 12 de janeiro de 1759
Local: Belém, Lisboa, Portugal
Folhas: 81v- 83v

 

Leia esse documento na íntegra

 

“O que tudo visto, e o mais dos autos com a resolução que o dito senhor foi servido tomar em consulta desta Junta, ampliando a jurisdição, e alçada dela para que possa estender as penas merecidas por estes infames e sacrílegos réus em forma que possam ter a possível proporção com as suas execradas e escandalosíssimas culpas: Condenam ao réu José Mascarenhas[1], que já se acha desnaturalizado, exautorado das honras e privilégios portugueses, de vassalo[2]; e criado; degradado da Ordem de Santiago, de que foi comendador; e relaxado a esta Junta[3] e justiça secular, que nela se administra; (...) como um dos três cabeças, ou chefes principais desta infame conjuração[4], e do abominável insulto, que dela se seguiu, seja levado à praça do cais do lugar de Belém, e que nela em um cadafalso[5] alto, que será levantado de sorte, que o seu castigo seja visto de todo povo, a quem tanto tem ofendido o escândalo do seu horrorozíssimo delito, depois de ser rompido vivo, quebrando-lhe as oito canas das pernas, e dos braços, seja exposto em uma roda para satisfação dos presentes, e futuros vassalos deste Reino: E a que depois de feita esta execução seja queimado vivo o mesmo réu com o dito cadafalso, em que for justiçado até que tudo pelo fogo seja reduzido a cinza, e pó, que serão lançadas no mar, para que dele, e de sua memória não haja mais notícia. E posto que como réu dos abomináveis crimes de rebelião, sedição, alta traição, e parricídio se acha já condenado pelo tribunal das Ordens[6] em confiscação, e perdimento de todos os seus bens para o Fisco, e Câmara Real[7], como se tem praticado nos casos, em que se cometeu crime de lesa-majestade de primeira cabeça[8]: Contudo atendendo-se a ser este caso tão estranhamente horroroso, e incogitado pelas leis, que nem elas deram para ele providência, nem nele se pode achar castigo, que tenha proporção com sua desmedida torpeza, (...): E considerando-se que a mais conforme o direito é a de escurecer, e desterrar por todos os modos a lembrança, o nome, e a recordação de tão enormes delinqüentes: Condenam outrossim ao mesmo réu não só nas penas de direito comum para serem derrubadas, e picadas todas as suas armas, e escudos em quaisquer lugares, em que se acharem postos; e as casas materiais, e edifícios de sua habitação demolidos, arrasados de sorte, que deles não fique sinal, reduzidos a campos, e salgados (...).

Nas mesmas penas se condena ao réu Francisco de Assis de Távora[9], também cabeça da mesma conjuração, persuadido pela ré sua mulher[10], e igualmente desnaturalizado, exautorado, e relaxado pelo Tribunal das Ordens e esta Junta, e justiça secular que nela se administra. E ponderando-se com a seriedade, e circunspecção, que eram indispensáveis neste caso, que não só o dito réu, e a ré sua mulher se fizeram cabeças pessoais desta nefasta conspiração, traição e parricídio; mas que também fizeram estes enormíssimos delitos comuns a sua família, e factando-se com fátua, e petulante vaidade de que a união dela lhe bastaria para se meterem naquelas horrorrozíssimas atrocidades; Mandam que nenhuma pessoa de qualquer estado, ou condição, que seja, possa da publicação desta em diante usar do apelido de Távora[11] sob pena de perdimento de todos os seus bens para o Fisco, e Câmera Real, e de desnaturalização destes reinos e senhorios de Portugal, e perdimento de todos os privilégios, que lhe pertencerem como naturais deles.”

 

[1]LENCASTRE, JOSÉ MASCARENHAS DA SILVA E (1708-1759): fidalgo da Casa Real portuguesa, José Mascarenhas acumulou os títulos de 5º marquês de Gouveia, 8º conde de Santa Cruz e 8º duque de Aveiro – mais antiga e opulenta casa ducal lusa. Segundo filho de Martinho de Mascarenhas e Inácia Rosa de Távora, estava fadado a vida eclesiástica: formou-se em cânones pela Universidade de Coimbra, o que deveria tê-lo mantido afastado da vida política e da corte portuguesa. No entanto, seu irmão mais velho, d. João Mascarenhas, ao fugir de Portugal por crime de adultério, foi obrigado a renunciar à casa e os títulos em favor de José Mascarenhas. Casou-se, em 1739, com d. Leonor de Távora, irmã do 3º marquês de Távora, de uma das mais poderosas famílias da aristocracia portuguesa, acumulando assim, mais poder. Ganhou o título de duque de Aveiro num pleito que o tribunal resolveu a seu favor em 1752 e reconhecido pelo Rei em 1755. Desempenhou elevados cargos da administração como o de mordomo-mor da Casa Real, de deputado da Junta dos Três Estados e de presidente do Desembargo do Paço. Apontado como grande polarizador da rivalidade entre a nobreza portuguesa e Sebastião José de Carvalho e Melo e o Rei, tornou-se um dos principais alvos do ministro de d. José que tentaria, a todo custo, anular sua influência política e eliminar uma das mais poderosas famílias nobiliárquicas lusa. O atentado ao Rei em 1758 e as circunstancias nebulosas do acontecimento, bem como o célere desenrolar do processo de acusação, permitiu que Carvalho agisse de maneira enérgica contra o duque: acusado de regicídio, foi condenado e barbaramente executado em 13 de janeiro de 1759. Além da pena de morte, Mascarenhas foi desnaturalizado e o título duque de Aveiro extinto por ordem régia e sentença judicial. As propriedades da família foram todas confiscadas pela Casa Real e posteriormente concedidas ou vendidas a outrem; seus escudos e armas derrubados e o chão dos seus palácios e quinta mandadas salgar simbolicamente, para que nunca mais nada ali crescesse. A memória do duque de Aveiro nunca foi reabilitada.

[2]VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[3]SUPREMA JUNTA DA INCONFIDÊNCIA: tribunal especial criado para apurar delitos de lesa-majestade. Nomeada em 4 de janeiro de 1759, para julgar os acusados pelo atentado contra o rei d. José I de Portugal ocorrido em 3 setembro de 1958, teve amplos poderes para conduzir o processo e o julgamento dos réus. O tribunal funcionou na Quinta do Meio e no próprio Palácio da Ajuda, foi presidida pelos secretários de Estado Sebastião José de Carvalho e Mello, d. Luís da Cunha Manuel e Tomé Joaquim da Costa Corte Real, sem poder de voto. Presidindo ao tribunal, um homem de inteira confiança de Sebastião José, pelo juiz doutor Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira, relator e juiz da inconfidência. Estava constituído, ainda, pelos doutores João Pacheco Pereira, João Marquês Bacalhau, Manuel Ferreira de Lima, Inácio Ferreira Souto, João Inácio das Antas, Antônio Álvares da Cunha, José da Costa Ribeiro e José Antonio de Oliveira, como secretário. O processo ocorreu muito rápido, em 12 de janeiro, menos de dez dias depois de formada, a Junta daria a sentença dos acusados: seus crimes foram definidos como de lesa-majestade, traição e rebelião contra o rei e o Estado. Os acusados foram julgados em processos verbais e sumários, sem atenção às formalidades ou nulidades estabelecidas sobre as devassas ordinárias. Também foi permitido o uso da tortura, que não era praxe em tribunais não inquisitoriais. Dada a gravidade do crime, foi-lhe permitido, ainda, impor penas não previstas na lei ordinária, ampliadas e agravadas com autorização do rei e a pedido da própria Junta: “porque nem as leis pátrias até agora escritas, deram, ou podiam dar toda necessária providência para se castigar uma ferocidade tão inaudita, tão inopinada, e tão insólita entre os portugueses (...)”. Segundo Guilherme de Oliveira Santos (1959), “o tribunal foi dominado por Carvalho e o processo oportuna arma de que o ministro se serviu para protestar contra os seus inimigos.” O futuro marques de Pombal soube manipular a situação para deflagrar um processo de perseguição aos seus maiores opositores, culpando e incriminando setores do clero – notadamente os jesuítas –  e da nobreza pelos crimes de traição e lesa-majestade. A violência aplicada na execução pública dos réus na manhã de 13 de janeiro e o apagamento de suas memórias serviriam de lição para que a nobreza não mais se rebelasse contra a autoridade régia.

[4] CONJURAÇÃO: o termo conjuração tem origem em Conjura, um tipo de resistência essencialmente aristocrática, herdeira direta das “Conjurationes” das ligas medievais como indica o historiador Luís Henrique da Silva Dias (Apud Valim, P. Da Sedição dos Mulatos à Conjuração Baiana de 1798: a construção de uma memória histórica. Dissertação de mestrado. USP, 2007). Outros especialistas no período medieval ligam as conjurationes às federações nas quais comerciantes e trabalhadores se reuniam para exigir mais direitos civis e políticos do aqueles concedidos. Na América portuguesa o termo, à época do movimento mineiro em 1789 [ver Conjuração Mineira], foi bastante utilizado nos autos do processo contra os rebeldes, e ressalta o caráter de movimento político antigoverno (no caso, a monarquia portuguesa). Considerado crime de lesa-majestade, na perspectiva dos juízes carregava uma conotação jurídica e institucional de uma conspiração organizada por indivíduos que compunham o poder administrativo e militar na capitania de Minas Gerais. A utilização do termo inconfidência parece ter sido utilizada pelo advogado dos revoltosos em uma tentativa de diminuir a relevância dos seus atos, retirando-lhes a conotação de movimento político organizado. Contudo, e no caso do movimento de Tiradentes, o termo conjuração foi aos poucos – em especial depois da condenação dos réus – sendo substituído por inconfidência, em um processo que também buscava construir uma imagem de militar indisciplinado e insano atribuída a Tiradentes. A conotação política e ideológica implícita no termo conjuração foi, assim, esvaziada e substituída por uma caracterização pejorativa que remete a traição e desorganização. Tal escolha ressalta a intenção de tornar “traidores” aqueles que participaram do movimento: “infidelidade, deslealdade, esp. para com o Estado ou um governante,” é a definição de inconfidência no mesmo dicionário. Imputando-lhes uma falha de caráter inerente, transformando-os em infiéis indignos, a coroa portuguesa faz do movimento político uma traição pessoal, uma falha moral

[5]CADAFALSO: tablado, andaime, estrado erguido do chão a uma altura suficiente para que se observe a ação pública realizada. Empregado, sobretudo, nas execuções de réus condenados à pena capital, o cadafalso foi bastante utilizado durante o rigorismo da justiça penal absolutista dos tribunais régios que aplicavam as ordenações. Durante a execução, a sentença era lida em público para que todos tomassem ciência dos malefícios praticados pelos sentenciados e a pena então aplicada, normalmente, através de meios eliminatórios os mais terríveis e cruéis. A atrocidade, todo aparato montado e a publicidade dos castigos sentenciados foram utilizados como forma de intimidação social, buscando evitar assim, novas infrações. A atmosfera política da época, profundamente influenciadas pelo absolutismo e glorificação da figura do rei, imprimia um cunho gravíssimo ao crime de lesa-majestade, vale dizer, crime político, daí a aplicação da pena capital sobre o cadafalso, diante dos olhos de toda população, com o propósito de produzir efeitos repressivos e dissuasórios.

[6]MESA DA CONSCIÊNCIA E ORDENS: inicialmente denominada Mesa da Consciência, quando de sua criação em 1534, passou a ser designada de Mesa da Consciência e Ordens a partir de 1551, quando acrescentou a sua administração, as matérias referentes às três ordens militares e também cristãs: Cristo, Santiago da Espada e São Bento de Avis. Organismo judicial criado em 1532, tinha como propósito auxiliar o monarca – supremo dispensador da justiça – em resoluções que não competissem aos tribunais de justiça e de fazenda. O Regimento de 1608 estabeleceu que o Tribunal da Mesa seria composto de um presidente, cinco deputados (teólogos e juristas), um escrivão da câmara e três escrivães específicos para cada uma das ordens. Entre as várias atribuições da Mesa estavam encarregar-se dos pedidos dirigidos diretamente ao rei, que tocassem a “obrigação de sua consciência” e foi um dos mecanismos utilizados para a centralização do poder monárquico. Outras de suas atribuições eram: a tutela espiritual e temporal das ordens militares; a administração da Casa dos Órfãos de Lisboa; a tutela de diversas provedorias, entre elas a gestão de capelas e hospitais e a dos defuntos e ausentes; a superintendência da administração da Universidade de Coimbra, o governo espiritual das conquistas, entre outras. A Mesa de Consciência e Ordens foi criada juntamente com o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço no Brasil em alvará de 1808. Este trouxe algumas modificações em relação às funções a serem exercidas pelo tribunal na nova sede do Império, passava a tratar dos assuntos relativos ao padroado, em função da jurisdição espiritual da Ordem de Cristo em todos os territórios ultramarinos, direito concedido por Roma no século XV. Incluía, dentre outras competências, a análise dos pedidos de criação de novas freguesias, a construção de capelas, assuntos ligados às irmandades, a gerência de conflitos entre eclesiásticos, bem como os embates entre os clérigos e a população. Foi extinta no reinado de d. Pedro I, em 1828.

[7]CASA REAL: expressão utilizada para se referir tanto ao local físico onde viviam o rei e sua família, quanto à própria instituição monárquica em si. Compreende além da família real, as famílias fidalgas e a nobreza de Portugal. Instituição absolutista, foi responsável pela jurisdição e manutenção da hierarquia da numerosa criadagem subordinada diretamente ao rei, nos moldes da sociedade de corte do Antigo Regime. Sua organização encontrava-se dividida em áreas como o serviço nas câmaras e casas, cozinha, atividades relacionadas à caça, guarda, serviço religioso, entre outros. Os ofícios ligados à real câmara – neste caso, câmara é alusivo ao espaço de intimidade do monarca, a casa em que se dorme – compreendiam funções que envolviam um contato mais direto com o rei. O titular do ofício atuava no núcleo da corte, conferindo grande influência política àquele que a Coroa concedia autoridade para executar um determinado tipo de tarefa. Via de regra, as atividades estavam divididas entre ofícios maiores – que tinham vastas competências, era o caso do mordomo-mor e camareiro-mor – e os menores – que englobava trabalhos ligados a profissões “mecânicas”, como pintor, barbeiro, boticário, cirurgião e físico. Os cargos do serviço real eram muito disputados pelos fidalgos – ser criado da Casa Real não significava ser inferior, muito pelo contrário, além de ser um canal direto com o Rei, proporcionava honra, status e a possibilidade de obtenção de uma mercê. A Casa Real era organizada em seis setores administrativos, as “repartições”: a Mantearia Real, que tratava de assuntos relativos à mesa do Rei, sua família e dos fidalgos de sua casa, como toalhas, talheres, guardanapos, etc; a Cavalariça Real, que responde pelos equinos, muares, pelas seges e carruagens reais; Ucharia e Cozinhas Reais, que cuidavam da despensa – alimentação e bebidas – de toda a família real e de todas as famílias nobres e fidalgas do reino; a Real Coutada, responsável pelos terrenos reais, florestas e bosques; Guarda-Roupa Real, ocupado das vestimentas do rei e parentes; e a Mordomia mor, cuja principal atribuição era a organização e fiscalização dos outros setores. Houve grande dificuldade na reorganização da Casa Real no Brasil, principalmente pelos recursos escassos do Real Erário – e enormes gastos –, pelas intrigas e conflitos entre portugueses do reino e os colonos, pela precária utensilagem e falta de pessoal preparado para o serviço real, e pela própria dificuldade de adaptar costumes absolutistas antigos ao Brasil colonial. Ficaram conhecidas da população do Rio de Janeiro as frequentes contendas entre Joaquim José de Azevedo, tesoureiro da Casa Real, e d. Fernando José de Portugal e Castro, mordomo mor da Casa Real, presidente do Real Erário e secretário de Estado de d. João VI, em torno de recursos para manter o luxo da família real, que era considerada uma das mais simples da Europa. O excesso de gastos gerava problemas de fornecimento e abastecimento em toda a cidade, e frequentemente resultava em carestia de gêneros, principalmente para os mais pobres, que sentiam mais o peso de gerar divisas para sustentar a onerosa Casa Real de Portugal.

[8]LESA-MAJESTADE: definido pelas Ordenações Filipinas, trata-se de um crime contra a pessoa do rei ou seu real estado – definição que explicita claramente a ausência de fronteiras entre a pessoa do monarca e o estado que governava. Tido como “contagioso” – comparado à lepra – o crime de lesa-majestade suscitava punições severas e muitas vezes hereditárias, dada sua tendência de “se espalhar” e de “passar de geração para geração”. Havia os crimes de primeira cabeça e os de segunda cabeça. Entre os primeiros, encontravam-se a traição, a insurreição, a autoria ou cumplicidade em atentados contra o rei, contra sua família ou contra qualquer pessoa que estivesse em sua companhia ou, mesmo, a destruição de imagens, armas ou símbolos representativos do reino ou da Casa Real. Segundo as ordenações, qualquer desses crimes seria punido com a pena de "morte natural cruelmente", ou seja, execução pública por meio de torturas. Todos os bens dos justiçados passariam para a Coroa e as duas gerações de descendentes ficariam "infamados para sempre”, pois se tratava de uma tendência hereditária. O segundo tipo, relativamente menor e com penas mais leves, dizia respeito ao auxílio àqueles já condenados por traição. Outra característica específica dos crimes de lesa-majestade era ocasionar a perda das garantias que limitavam a ação da Justiça: "não gozará o acusado de privilégio algum (...) para ser metido a tormento, bastarão menores indícios (...). E as pessoas, que em outros casos não poderiam ser testemunhas, nestes o poderão ser e valerão seus ditos".

[9]TÁVORA, FRANCISCO DE ASSIS DE (1703-1759): filho e herdeiro do 2º conde de Alvor, Bernardo António Filipe Neri de Távora e d. Joana de Lorena, foi um nobre, militar e administrador colonial português. Casou-se, em 1718, com sua prima, Leonor Tomásia de Távora, 3ª marquesa de Távora, tornando-se então o 3º marquês de Távora, importante casa da nobreza lusa. Foi nomeado vice-rei da Índia em 1750, ainda no reinado de d. João V. Em março desse mesmo ano, o marquês de Távora partiria para Goa representando a Coroa portuguesa naquele continente, acompanhado por d. Leonor, sua esposa e pelos seus filhos, Luís Bernardo (o marquês-novo) e José Maria. Seu governo foi marcado por importantes campanhas militares e comerciais, conquistando praças e fortalezas e vantagens comerciais na região. Acumulando poder e fama, retornou a Portugal em 1754, já no reinado de d. José I, quando se revelaram hostilidades entre a casa dos Távoras e a Coroa portuguesa, sobretudo devido à grande influência de Sebastião José de Carvalho e Melo, que via na antiga nobreza lusitana um empecilho para a consolidação do ministério pombalino. Em 1758, o marquês de Távora foi acusado de ser um dos cabeças na tentativa de regicídio ocorrida no ano anterior.  Os autos produzidos pela Junta da Inconfidência, que julgou o crime, sugerem que o marquês teria participado da conjuração por “ódio à falta de decorro e pudor que o rei impunha à sua Casa”, por conta da relação amorosa entre o rei d. José I e d. Teresa de Távora, irmã e nora de Francisco de Assis, casada com seu filho Luís Bernardo, que era pública a todos no Reino. Condenado à morte pelo crime de lesa-majestade, foi desnaturalizado, barbaramente executado, seus bens confiscados pela Casa Real e o título de marquês de Távora extinto.

[10] TÁVORA, LEONOR TOMÁSIA DE (1700-1759): filha de d. Luís Bernardo de Távora e de d. Ana de Lorena, d. Leonor tornou-se marquesa de Távora em 1721, após o falecimento de seu avô paterno o 2º marquês de Távora. Estendeu o título ao seu marido, Francisco de Assis de Távora, seu primo, com quem se casou em 1718. Integrante de uma das principais e mais poderosas famílias nobiliárquicas de Portugal, tornou-se uma das figuras de oposição ao ministério de Sebastião José de Carvalho e Melo, além de intimamente ligada aos jesuítas e o padre Gabriel Malagrida, seu diretor espiritual. Foi a primeira fidalga a ser incriminada pelo atentado contra o rei d. José, a 3 de setembro de 1758, vindo a ser presa na sua residência, juntamente com seu marido e filhos, na noite de 13 de dezembro. Única mulher supliciada durante a execução pública dos réus condenados pela tentativa de regicídio, a marquesa de Távora foi decapitada em cadafalso e teve todos os seus bens confiscados pela Câmara Real.

[11]TÁVORAS: a casa dos Távoras é uma das mais antigas e importantes casas nobiliárquicas portuguesas. Notabilizavam-se pelos bens que administravam, pela grande influência local que possuíam e pela importância de suas redes matrimoniais, que os uniram com outras importantes casas como os condes de Atouguia, da Ribeira Grande e de Vila Nova, os marqueses de Alorna e os duques de Aveiro e de Cadaval. Seu vasto patrimônio teve origem em bens situados na província de Trás-os-Montes, no entanto, segundo o historiador Nuno Gonçalo Monteiro, a família retirava a maior parte de seus rendimentos, tal como as demais casas titulares, das comendas e bens da Coroa que administravam. Durante o reinado de d.José I, animosidades entre os Távoras e a Coroa portuguesa vão surgir: todo esse poder e influência passaram a ser vistos com desconfiança pelo rei e, sobretudo, pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, que pretendia fortalecer seu ministério, anulando ou diminuindo as forças concorrentes, como é o caso da Companhia de Jesus e a antiga nobreza lusa, refratária às mudanças propostas pelo então secretário. A estreita relação entre a família Távora e os jesuítas, especialmente o padre Gabriel Malagrida e suas pregações místicas, também era vista com desconfiança pela Coroa, representando uma ameaça ao ministério pombalino. A falta de reconhecimento do rei pelos serviços prestados pelo 3º marquês de Távora no governo da Índia e o relacionamento amoroso de conhecimento público entre d. José e d. Teresa de Távora e Lorena, esposa de Luís Bernardo de Távora, o marquês novo, aumentaram as hostilidades. Em setembro de 1758, d. José sofreu um atentado, Sebastião José apressou-se em culpabilizar a alta nobreza, através de um célere e questionável processo que condenou por crime de lesa-majestade toda família Távora, além de outros nobres lusos, que ficou conhecido como “Processo dos Távoras”. Em janeiro de 1759, Francisco de Assis Távora, Leonor Tomásia de Távora, Luís Bernardo Távora e José Maria de Távora cumpriram a pena de morte, em uma execução pública que ficou marcada pela violência dos suplícios infrigidos aos réus. As crianças e os demais homens e mulheres da família foram encarcerados em conventos e mosteiros; seus bens foram transferidos à Coroa; as casas arrasadas e salgados os chãos; as armas da família picadas e o uso do sobrenome Távora proibido.  No reinado de d. Maria I, o processo foi revisto e o nome dos Távoras reabilitado.

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