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Decreto de 9 de dezembro de 1758

Publicado: Quinta, 03 de Outubro de 2019, 19h33 | Última atualização em Quinta, 19 de Agosto de 2021, 22h33

Decreto de d. José I, assinado por Sebastião José de Carvalho e Melo, no qual descreve o atentado sofrido pelo rei de Portugal em 3 de setembro de 1758 e estabelece procedimentos para por fim a “execrada conjuração” e para capturar os culpados pelo crime. Promete benefícios e mercês àqueles que delatarem da dita conjuração.

 

Conjunto documental: Processo dos marqueses de Távora
Notação: códice 746, vol. 01
Datas-limite: 1758-1759
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Microfilme: 005.0.73
Argumento de pesquisa: Processo dos Távoras
Data do documento: 9 de dezembro de 1758
Local: Belém, Lisboa, Portugal
Folhas: 18- 19v

 

Leia esse documento na íntegra

 

“Por quanto sendo exemplaríssima a religião, com que os vassalos[1] da minha Coroa, cultivando sempre como invioláveis, e como sacrossantos, o respeito, o amor, e a fidelidade, a seus reis, e naturais senhores, fizeram com que os portugueses em todos os séculos se distinguissem, e assinalassem entre as mais nações européias no escrupuloso, e delicado desempenho dessas impreteríveis obrigações. (...) Houve ainda assim infelizmente entre os naturais desses reinos alguns particulares, que barbaramente esquecidos daqueles antigos, e nunca excedidos exemplos, e daqueles honrosos, e indispensáveis vínculos de gratidão, e de fidelidade; (...); se atreveram a maquinar entre si com diabólicos intentos uma conjuração[2] tão sacrilégica, e tão abominável, que depois de haver procurado sugerir, e espalhar clandestina, e maliciosamente (...) que a minha Real[3] vida não podia ser de grande duração, ousando até limitar o prazo dela, ao mês de setembro próximo precedente; (...) pelas onze horas da noite, ao tempo em que eu saia da porta da Quinta chamada a do Meyo, para passar pelo pequeno campo que a separa deste palácio da minha residência, a recolher-me nele; havendo-se postado três dos ditos conjurados montados a cavalo perto da referida porta, encobertos com as casas a que ele se segue, descarregaram com infame, e execrada aleivosia sobre o espaldar da carruagem, que me transportava, três bacamartes[4], ou roqueiras[5] tão fortemente carregadas de munição, que, ainda errando um deles fogo, foram bastantes os dois, que o tomaram, para não só fazerem do dito espalmar duas brechas, esféricas de disforme grandeza; mas também além delas o geral estrago com que despedaçando todo o dito espaldar, não deixaram ao juízo humano modo algum de compreender a vista dele como a minha Real Pessoa se pudesse salvar em tão pequeno espaço como da referida carruagem no meio de tantas, e tão grandes ruínas, só com o dano das graves feridas que ali recebeu, se a minha Real Vida não tivesse sido positivamente preservada por um visível milagre da mão Onipotente entre os estragos daquele horrorosíssimo insulto. E porque achando-se por ele bárbara, e sacrilicamente ofendidos todos os princípios mais sagrados dos direitos, divino, natural, civil, e pátrio, com um tão geral horror da religião, e da humanidade, se fez tanto mais indispensável a reparação do mesmo insulto, quanto maior, e mais pungente é o escândalo que dele tem resultado a fidelidade portuguesa, cujos louváveis sentimentos de honra, e amor, e de gratidão a minha Real Pessoa, não poderiam nunca tranqüilizar-se sem a moral certeza de que aquela execrada conjuração se acha arrancada pelas suas venosas raízes; e de que entre os meus fiéis vassalos não anda algum dos horríveis monstros que conspiraram para tão abomináveis crimes. Estabeleço que todas as pessoas, que descobrirem (de sorte que verifiquem o que declararem) qualquer, ou quaisquer dos réus da mesma infame conjuração; sendo os declarantes plebeus serão logo por mim criados nobres; sendo nobres lhes mandarei passar alvarás dos foros de moço fidalgo, e de fidalgo cavalheiro com as competentes moradias; sendo fidalgos os sobreditos foros, lhes farei mercê[6] dos títulos de viscondes, ou de condes conforme a graduação em que se acharem; e sendo titulares os acrescentarei aos outros títulos que imediatamente se seguirem aos que já tiverem. (...) O que hei outrossim por bem que tenha lugar ainda quando as declarações forem feitas por alguns dos cúmplices da mesma conjuração; os quais hei desde logo por perdoados; com tanto que não sejam dos principais cabeças dela. Aos ministros, que apreenderem os réus deste delito farei as mercês de honras, e de acrescentamentos que forem proporcionadas à importância do serviço que o dito respeito me fizerem, além das mais acima referidas no caso de serem declarantes. Para que ninguém possa ocultar por ignorância tão perniciosos réus pela falsa apreensão de que os denunciantes são pessoas abjetas: advirto a todos os meus vassalos que este reparo, (...) não só não tem lugar nestes crimes de conjuração contra o Príncipe Supremo, e de alta traição; mas que neles muito pelo contrário o silêncio, e a taciturnidade dos que, sabendo de semelhantes crimes, os não delatam em tempo oportuno, tem anexas as mesmas penas, e a mesma infâmia, a que são condenados os réus destes perniciosíssimos delitos (...). E porque um tão horrível caso faz indispensavelmente necessária toda a maior facilidade, que couber no possível, para a prisão dos réus. Sou servido fazer cumulativas todas as jurisdições dos magistrados destes reinos, sem exceção de alguma das terras da minha Coroa, e das de donatários, por mais privilegiadas que sejam; (...) sou servido outrossim que possam ser apreendidos até pelas pessoas particulares que deles tiverem notícias, e os forem por elas seguindo; fazendo as capturas em qualquer lugar em que os encontrarem; com tanto que, depois de haverem sido presos, os levem logo via reta à presença do ministro de Vara branca, que lhes ficar mais vizinho, para os transportar a esta Corte com toda segurança. O doutor Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira[7] do meu Conselho, Desembargador do Paço[8], deputado da Mesa de Consciência e Ordens[9], e chanceles da Casa de Suplicação[10], que nela serve de Regedor, e a quem tenho nomeado juiz da inconfidência, o execute afim de que lhe pertence, fazendo afixar este decreto por edital em todos os lugares públicos da cidade de Lisboa[11], e seu termo; e remetendo-o debaixo de seu nome a todas as outras cidades, e vilas destes reinos; porque os exemplares a que forem por ele assinados, mando que tenham o mesmo crédito, deste próprio original, sem embargo de quaisquer leis, disposições, ou costumes contrários, ainda sendo daquelas, ou daqueles que necessitam de especial derrogação. Belém, a nove de dezembro de 1758.

Com a rubrica de Sua Majestade,

Sebastião José de Carvalho e Melo[12]”.

 

[1]VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[2]CONJURAÇÃO: o termo conjuração tem origem em Conjura, um tipo de resistência essencialmente aristocrática, herdeira direta das “Conjurationes” das ligas medievais como indica o historiador Luís Henrique da Silva Dias (Apud Valim, P. Da Sedição dos Mulatos à Conjuração Baiana de 1798: a construção de uma memória histórica. Dissertação de mestrado. USP, 2007). Outros especialistas no período medieval ligam as conjurationes às federações nas quais comerciantes e trabalhadores se reuniam para exigir mais direitos civis e políticos do que aqueles concedidos. Na América portuguesa o termo, à época do movimento mineiro em 1789 [ver Conjuração Mineira], foi bastante utilizado nos autos do processo contra os rebeldes, e ressalta o caráter de movimento político antigoverno (no caso, a monarquia portuguesa). Considerado crime de lesa-majestade, na perspectiva dos juízes carregava uma conotação jurídica e institucional de uma conspiração organizada por indivíduos que compunham o poder administrativo e militar na capitania de Minas Gerais. A utilização do termo inconfidência parece ter sido utilizada pelo advogado dos revoltosos em uma tentativa de diminuir a relevância dos seus atos, retirando-lhes a conotação de movimento político organizado. Contudo, e no caso do movimento de Tiradentes, o termo conjuração foi aos poucos – em especial depois da condenação dos réus – sendo substituído por inconfidência, em um processo que também buscava construir uma imagem de militar indisciplinado e insano atribuída a Tiradentes. A conotação política e ideológica implícita no termo conjuração foi, assim, esvaziada e substituída por uma caracterização pejorativa que remete a traição e desorganização. Tal escolha ressalta a intenção de tornar “traidores” aqueles que participaram do movimento: “infidelidade, deslealdade, esp. para com o Estado ou um governante, ” é a definição de inconfidência no mesmo dicionário. Imputando-lhes uma falha de caráter inerente, transformando-os em infiéis indignos, a coroa portuguesa faz do movimento político uma traição pessoal, uma falha moral

[3]JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.

[4]BACAMARTE: arma de fogo de cano curto e largo. De grande calibre, foi muito utilizado durante os séculos XVIII e XIX. Devido ao seu peso, que poderia chagar a até 15 quilos, seu disparo era feito amparado por uma espécie de ‘muro’ em fortalezas ou navios, por isso também é conhecido como bacamarte de amurada.

[5]ROQUEIRA: antiga peça de artilharia que arremessava projéteis de pedra, também conhecida como canhão-pedreiro.

[6]MERCÊ: o mesmo que graça, benefício, tença e donativos. Na sociedade do Antigo Regime, a concessão de mercês era um direito exclusivo do soberano, decorrente do seu ofício de reinar. Cabia ao monarca premiar o serviço de seus súditos, de forma a incentivar os feitos em benefício da Coroa. Desse modo, receber uma mercê significava ser agraciado com algum favor (concessão de terras, ofícios na administração real, recompensas monetárias), condecoração ou título pelo rei, os quais eram concedidos sob os mais variados pretextos. Em 1808, após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, foi criada a Secretaria do Registro Geral das Mercês, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, quando da recriação, no Rio de Janeiro, dos órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca. As formas mais frequentes de mercês eram os títulos de nobreza e fidalguia, com as terras e tenças correspondentes, os hábitos das Ordens Honoríficas, cargos e posições hereditários. A concessão de mercês era também uma forma do monarca balancear os privilégios entre seus súditos, mantendo os bons serviços prestados por quem já havia conquistado alguma graça e incentivando o bom trabalho dos que almejavam obtê-las. Com a transferência da Corte da Europa para a América, poder-se-ia crer que os súditos da terra passariam a obter mais mercês, mas a hierarquia que havia entre a metrópole e a colônia, reproduzida na concessão de benefícios acabaria por se manter na colônia, mesmo depois da elevação a Reino Unido. Poucos títulos de nobreza foram concedidos, uma vez que na América não havia a nobreza de sangue, de linhagem, mas somente a concedida por grandes favores prestados ao reino, políticos ou militares. Entre as ordens honoríficas observa-se que houve a concessão de mais títulos, mas a maioria de baixa patente ou menor importância, os mais altos graus ainda eram reservados para a nobreza metropolitana. Mesmo concedendo hábitos, títulos de cavaleiros, posições e cargos, as mercês reservadas aos principais da colônia eram inferiores àquelas reservadas aos grandes da metrópole.

[7]PEREIRA, PEDRO GONÇALVES CORDEIRO (1684-17?): nascido na Bahia, Gonçalves Cordeiro foi bacharel em Direito, desembargador da Casa de Relação da comarca da Bahia e ouvidor e provedor mor da mesma comarca. Mudou-se para Portugal onde ocupou o cargo de desembargador da Relação do Porto em 1728. Na administração portuguesa, tornou-se homem de confiança de Sebastião Carvalho de Melo, chegando a membro do Desembargo do Paço, deputado da Mesa da Consciência e Ordens, chanceler regedor da Casa da Suplicação e conselheiro do rei. Participou reorganização do espaço urbano da cidade de Lisboa após o terremoto de 1755, quando ainda era desembargador da Casa da Suplicação – primeira instituição a conseguir entrar em funcionamento após o desastre. Em 1758, foi promovido a chanceler desse mesmo tribunal, assumindo importante papel na reedificação da cidade. Em decreto de 13 de dezembro de 1758, Pedro Cordeiro foi nomeado, por d. José I, juiz da Junta da Inconfidência, órgão responsável pelo julgamento dos réus acusados de tentativa de assassinato do rei em setembro do mesmo ano.

[8] MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO (LISBOA): também chamada de Tribunal do Desembargo do Paço, foi o mais alto órgão da administração central portuguesa até o século XIX, que regia o Reino, e não o Ultramar. Este tribunal, estabelecido no reinado de d. João II (1481-1495) mas somente efetivado no período de d. Manuel I (1495-1521), era o tribunal supremo da monarquia, responsável por questões relativas à justiça e à administração civil do reino no âmbito da Graça. Tornou-se autônomo em relação à Casa de Suplicação em 1521, recebendo novo regimento. Até o reinado de d. Sebastião I, suspenso em 1578, quem presidia o Tribunal era o próprio rei, o que passou a não ser mais obrigatório com uma mudança instituída durante os reinados Filipinos (1580-1640). Constituído por um corpo de magistrados, já então denominados desembargadores do Paço, recrutados principalmente entre os eclesiásticos, teólogos e juristas experientes, este órgão da administração central da coroa, possuía uma grande variedade de incumbências, tendo suas funções revistas e ampliadas por sucessivas alterações de regimento, dentre as quais compreendiam: a concessão de cartas de perdão e cartas de privilégio; concessão de perdões reais, suspensão de degredos; a dispensa de idade e de nobreza para servir nos cargos de governo; comutação de pena aos criminosos; restituição de fama e outras mercês semelhantes; a legitimação e emancipação de filhos; a concessão de licença para impressão de livros; deliberando, ainda, sobre o recrutamento e provimento de juízes e arbitrando conflitos entre os demais tribunais da Coroa; entre outras questões. A vinda da corte para o Brasil em 1808 acarretou a criação da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens no Rio de Janeiro, por meio do alvará de 22 de abril daquele ano, que incorporou parte dos encargos da Mesa da Consciência e Ordens de Lisboa. No entanto, a Mesa do Desembargo do Paço do Reino continuou a existir, sendo extinta apenas em 1833, no âmbito da guerra civil entre liberais e absolutistas, suas atribuições passando para as Secretarias de Estado do Reino e dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça.

[9]MESA DA CONSCIÊNCIA E ORDENS: inicialmente denominada Mesa da Consciência, quando de sua criação em 1534, passou a ser designada de Mesa da Consciência e Ordens a partir de 1551, quando acrescentou a sua administração, as matérias referentes às três ordens militares e também cristãs: Cristo, Santiago da Espada e São Bento de Avis. Organismo judicial criado em 1532, tinha como propósito auxiliar o monarca – supremo dispensador da justiça – em resoluções que não competissem aos tribunais de justiça e de fazenda. O Regimento de 1608 estabeleceu que o Tribunal da Mesa seria composto de um presidente, cinco deputados (teólogos e juristas), um escrivão da câmara e três escrivães específicos para cada uma das ordens. Entre as várias atribuições da Mesa estavam encarregar-se dos pedidos dirigidos diretamente ao rei, que tocassem a “obrigação de sua consciência” e foi um dos mecanismos utilizados para a centralização do poder monárquico. Outras de suas atribuições eram: a tutela espiritual e temporal das ordens militares; a administração da Casa dos Órfãos de Lisboa; a tutela de diversas provedorias, entre elas a gestão de capelas e hospitais e a dos defuntos e ausentes; a superintendência da administração da Universidade de Coimbra, o governo espiritual das conquistas, entre outras. A Mesa de Consciência e Ordens foi criada juntamente com o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço no Brasil em alvará de 1808. Este trouxe algumas modificações em relação às funções a serem exercidas pelo tribunal na nova sede do Império, passava a tratar dos assuntos relativos ao padroado, em função da jurisdição espiritual da Ordem de Cristo em todos os territórios ultramarinos, direito concedido por Roma no século XV. Incluía, dentre outras competências, a análise dos pedidos de criação de novas freguesias, a construção de capelas, assuntos ligados às irmandades, a gerência de conflitos entre eclesiásticos, bem como os embates entre os clérigos e a população. Foi extinta no reinado de d. Pedro I, em 1828.

[10]CASA DA SUPLICAÇÃO: era o órgão judicial responsável pelo julgamento das apelações de causas criminais envolvendo sentenças de morte. A Casa da Suplicação de Lisboa era o tribunal de segunda instância ganhou estatuto das mãos de Filipe I em fins do século XVI, embora a sua constituição tivesse ocorrido ao longo das décadas anteriores. Era a corte suprema diante da qual respondiam os tribunais de relação. Compunha-se de diversos órgãos, com funções distintas. Os cargos mais altos da Casa eram o de regedor e o de chanceler. Atuava nas comarcas da metade sul do país e nos territórios de além-mar, com exceção da América portuguesa e da Índia. No Brasil, este órgão foi instalado na Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808, com atribuições semelhantes à Casa da Suplicação de Lisboa e em substituição ao Tribunal da Relação, existente na cidade desde 1752. Considerada como Supremo Tribunal de Justiça, nela eram resolvidos todos os juízos e apelações em última instância, como as sentenças de morte. Suas atribuições eram similares às da Casa da Suplicação de Lisboa. Nesse sentido, compunha-se de vários órgãos com funções distintas de caráter jurídico-administrativo, destacando-se o Juízo dos Agravos e Apelações; a Ouvidoria do Crime; o Juízo dos Feitos da Coroa e da Fazenda; o Juízo do Crime da Corte; o Juízo do Cível da Corte e o Juízo da Chancelaria. O distrito de atuação compreendia as áreas do centro-sul da América, além da superposição dos agravos provenientes do Pará, Maranhão, Ilha dos Açores e Madeira e Relação da Bahia. Era composta por um regedor, um chanceler da Casa, oito desembargadores dos Agravos, um corregedor do Crime da Corte e da Casa, um juiz dos Feitos da Coroa e da Fazenda, um procurador, um corregedor do Cível da Corte, um juiz da Chancelaria, um ouvidor do Crime, um promotor de Justiça e seis extravagantes.

[11]LISBOA: capital de Portugal, sua origem como núcleo populacional é bastante controversa. Sobre sua fundação, na época da dominação romana na Península Ibérica, sobrevive a narrativa mitológica feita por Ulisses, na Odisseia de Homero, que teria fundado, em frente ao estuário do Tejo, a cidade de Olissipo – como os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso rio de auríferas areias. Durante séculos, Lisboa foi romana, muçulmana, cristã. Após a guerra de Reconquista e a formação do Estado português, inicia-se, no século XV, a expansão marítima lusitana e, a partir de então, Portugal cria núcleos urbanos em seu império, enquanto a maioria das cidades portuguesas era ainda muito acanhada. O maior núcleo era Lisboa, de onde partiram importantes expedições à época dos Descobrimentos, como a de Vasco da Gama em 1497. A partir desse período, Lisboa conheceu um grande crescimento econômico, transformando-se no centro dos negócios lusos. Como assinala Renata Araújo em texto publicado no site O Arquivo Nacional e a história luso-brasileira (http://historialuso.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3178&Itemid=330), existem dois momentos fundadores na história da cidade: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. No primeiro, a expansão iniciada nos quinhentos leva a uma nova fase do desenvolvimento urbano, beneficiando as cidades portuárias que participam do comércio, enquanto são elas mesmas influenciadas pelo contato com o Novo Mundo, pelas imagens, construções, materiais, que vinham de vários pontos do Império. A própria transformação de Portugal em potência naval e comercial provoca, em 1506, a mudança dos paços reais da Alcáçova de Lisboa por um palácio com traços renascentistas, de onde se podia ver o Tejo. O historiador português José Hermano Saraiva explica que o lugar escolhido como “lar da nova monarquia” havia sido o dos armazéns da Casa da Mina, reservados então ao algodão, malagueta e marfim que vinham da costa da Guiné. Em 1º de novembro de 1755, a cidade foi destruída por um grande terremoto, com a perda de dez mil edifícios, incêndios e morte de muitos habitantes entre as camadas mais populares. Caberia ao marquês de Pombal encetar a obra que reconstruiu parte da cidade, a partir do plano dos arquitetos portugueses Eugenio dos Santos e Manuel da Maia. O traçado obedecia aos preceitos racionalistas, com sua planta geométrica, retilínea e a uniformidade das construções. O Terreiro do Paço ganharia a denominação de Praça do Comércio, signo da nova capital do reino. A tarde de 27 de novembro de 1807 sinaliza um outro momento de inflexão na história da cidade, quando, sob a ameaça da invasão das tropas napoleônicas, se dá o embarque da família real rumo à sua colônia na América, partindo no dia 29 sob a proteção da esquadra britânica e deixando, segundo relatos, a população aturdida e desesperada, bagagens amontoadas à beira do Tejo, casas fechadas, como destacam os historiadores Lúcia Bastos e Guilherme Neves (Alegrias e infortúnios dos súditos luso-europeus e americanos: a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1807. Acervo, Rio de Janeiro, v.21, nº1, p.29-46, jan/jun 2008. http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/86/86). No dia 30 daquele mês, o general Junot tomaria Lisboa, só libertada no ano seguinte mediante intervenção inglesa.

[12]MELO, SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E (1699-1782): estadista português, nascido em Lisboa, destacou-se como principal ministro no reinado de d. José I (1750-1777). Filho do fidalgo da Casa Real Manuel de Carvalho e Ataíde e de d. Teresa Luísa de Mendonça e Melo, Sebastião José de Carvalho e Melo frequentou a Universidade de Coimbra; foi sócio da Academia Real da História Portuguesa (1733); ministro plenipotenciário de Portugal em Londres e Viena entre os anos de 1738 e 1749, sendo nomeado secretário de Estado dos Negócios do Reino de Portugal com a ascensão de d. José I ao poder. Ficou no governo durante 27 anos, período em que realizou uma série de reformas que alteraram sobremaneira a natureza do Estado português. As reformas pombalinas, como ficaram conhecidas, em consonância com a Ilustração ibérica, marcaram um período da história luso-brasileira, caracterizadas pelo despotismo esclarecido de Pombal – uma conciliação entre a política absolutista e os ideais do Iluminismo. Preocupado em modernizar o Estado português e tirar o Império do atraso econômico em relação a outras potências europeias, o primeiro-ministro buscou reestabelecer o controle das finanças, controlando todo comércio ultramarino, além de fortalecer o poder estatal, consolidando a supremacia da Coroa perante a nobreza e a Igreja. Entre as principais medidas empreendidas por Pombal durante seu governo, podemos destacar: a criação de companhias de comércio, como a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778) e a de Pernambuco e Paraíba (1759-1780); a expulsão dos jesuítas do reino e domínios portugueses (1759); a reorganização do exército; a transferência da capital do Estado do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro (1763) e a reforma do ensino, em especial a da Universidade de Coimbra (1772). Pombal sobressaiu-se, ainda, por ter sido o responsável pela reconstrução de Lisboa, destruída por um terremoto em 1755. Foi agraciado com o título de conde de Oeiras, em 1759, e de marquês de Pombal em 1769. Com a morte de d. José I e a consequente coroação de d. Maria I, Pombal foi afastado de suas funções e condenado ao desterro. Em decorrência de sua idade avançada, Carvalho e Melo recolheu-se à sua Quinta de Oeiras, onde permaneceu até sua morte.

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