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Classes censitárias da capitania da Bahia

Escrito por Januária Oliveira | Publicado: Quinta, 05 de Janeiro de 2023, 14h09 | Última atualização em Quinta, 05 de Janeiro de 2023, 19h27

Cópia da correspondência de Martinho de Mello e Castro, ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, a Manoel da Cunha e Menezes, governador da Bahia, sobre a solicitação da Coroa de que fosse encaminhada anualmente à Secretaria de Estado uma relação do número de habitantes daquela capitania, dividida em dez classes que haviam sido especificadas anteriormente. 

Conjunto documental: Mapas de população de províncias
Notação: Caixa 761
Datas-limite: 1776 – 1864
Título do fundo: Vice-reinado
Código do fundo: D9
Argumento de pesquisa: População, censos
Data do documento: 21 de maio de 1776
Local: Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, Lisboa
Folha (s): fl.1-2

Leia o documento na íntegra

Sua Majestade tem incumbido aos governadores e capitães generais dos seus domínios ultramarinos[1] de lhe mandarem todos os anos uma relação do número de habitantes compreendidos nos distritos dos seus diferentes governos, servindo-se para este efeito do benefício dos párocos[2] e mandando-os auxiliar pelos seus ministros de Justiça que é o meio de se poderem conseguir estas relações com maior prontidão e facilidade. E como a cooperação de V.Excia. também a de contribuir muito ao dito fim. É o mesmo senhor servido que vendo V.Excia. a cópia inclusa que se remete a cada um dos sobreditos governadores do método com que se devem formar as referidas relações até todas as providências e aplique todos os meios que lhe parecerem mais próprios de acordo com o governador e capitão general[3] dessa capitania[4], para que elas se façam com a devida clareza e exatidão com que devem chegar à real presença de El Rei N. Sr.

Deus guarde a V.Excia. Palácio de N. Sra. Da Ajuda em 21 de maio de 1776. Martinho de Mello e Castro. Sr. Arcebispo da Bahia

 

A relação que Sua Majestade manda formar do número dos habitantes dessa capitania se deve dividir nas classes seguintes:

Primeira classe: todas as crianças do sexo masculino até a idade de sete anos

Segunda classe: todos os rapazes desde a idade de sete anos até a idade de quinze anos

Terceira classe: todos os homens desde a idade de quinze anos até a idade de sessenta

Quarta classe: todos os velhos desde a idade de sessenta anos para cima com especificação particular de todos os que passarem de noventa anos

Quinta classe: todas as crianças do sexo feminino até a idade de sete anos completos

Sexta classe: todas as raparigas desde a idade de sete anos até a idade de quatorze

Sétima classe: todas as mulheres desde a idade de quatorze anos até a idade de quarenta

Oitava classe: todas as adultas e as velhas desde a idade de quarenta anos para cima, com especificação particular de todas as que passarem de noventa

Nona classe: todos os nascimentos acontecidos no ano em que se tirar esta relação

Décima classe: todas as mortes acontecidas no mesmo ano.

Acrescentando ao que participei a V.Sª. de ordem de Sua Majestade, para que anualmente remetesse a esta Secretaria de Estado[5] uma relação do número dos habitantes dessa capitania, dividida nas dez classes insinuadas na mesma ordem, devo novamente dizer-lhe que para que a mesma relação se faça com a possível exatidão foi o mesmo Sr. servido incumbir também essa diligência ao bispo dessa capitania, para que de acordo com a V. Sª. Igualmente incumbirá também a mesma diligência aos ministros de Justiça, para que todos concorram para mais exatamente se observarem as reais ordens, sobre um ponto de tanta importância como é o de saber Sua Majestade o número de vassalos[6] que habitam nos seus domínios.

Deus guarde a V. Sª. Palácio de N. Srª da Ajuda em 21 de maio de 1776. Martinho de Mello e Castro. Senhor Manoel da Cunha e Menezes

 

[1] ULTRAMAR: termo também utilizado para se referir aos domínios ultramarinos, designava as possessões de além-mar, as terras conquistadas e colonizadas no período da expansão marítima e comercial europeia, ocorrida a partir do século XV. No caso português, as possessões coloniais espalhavam-se pelos continentes africano, americano e asiático, tendo como principais cidades Luanda e Benguela na África, Macau e Malaca na Ásia, e Rio de Janeiro e Salvador na América.

[2] PÁROCO: Membro do clero secular responsável por uma paróquia ou freguesia. O pároco, ou cura de almas, estabelecia contato mais direto com a população atuando como agente da Igreja no controle social, moral e religioso de seus fiéis, uma vez que, sob sua jurisdição, estavam as menores unidades espaciais eclesiásticas, as freguesias. Desempenhavam, além das funções religiosas como promover os cultos, pregações e sacramentos, outras relacionadas à regulação da convivência comunitária. Entre suas atribuições constava a elaboração de “róis de confessados”, chamados Liber Status animarum, lista dos fregueses maiores de sete anos que havia ou não cumprido o sacramento da confissão, obrigatório no período da quaresma. A partir destes róis, os párocos preenchiam censos anuais com informações acerca dos habitantes da freguesia.

[3] CAPITÃO GENERAL: era responsável pelo governo de uma capitania geral, territórios administrados diretamente pela Coroa, em contraste com as donatárias, atribuídas a particulares, como Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo. Em tese, seria subordinado ao vice-rei, mas, como a autoridade deste se diluía com as distâncias e a presença dos governadores e capitães-generais que se comunicavam diretamente com a metrópole, na prática tal subordinação não funcionou na maioria das capitanias da América portuguesa.

[4] CAPITANIA: também conhecidas como capitanias-mores, compuseram o sistema administrativo que organizou o povoamento de domínios portugueses no ultramar. A partir do século XIII, seguindo um sistema já empregado sobre as terras reconquistadas, típico do senhorio português de fins da Idade Média Portugal utilizou-as amplamente para desenvolver seus territórios, fazendo concessões de jurisdição sobre extensas áreas aos capitães donatários. Essas doações eram formalizadas na Carta de Doação e reguladas pelo Foral, documento que estabelecia os direitos e deveres dos donatários. No Brasil, o sistema de capitanias foi implantado, em 1534, por d. João III, com a doação de 14 capitanias como solução para a falta de recursos da Coroa portuguesa para a ocupação efetiva de suas terras na América. Esse sistema não alcançou o sucesso esperado em função de diversos fatores, tais como: os constantes ataques indígenas, a enorme extensão das terras e a falta de recursos financeiros. Inicialmente, as capitanias eram hereditárias e constituíam a base de administração colonial proposta pela coroa portuguesa. O donatário tinha uma série de direitos, entre eles a criação de vilas e cidades e de superintender a eleição dos camaristas, além de doar terras e dar licença às melhorias de grande porte em instalações como nos engenhos. Também recebia uma parte dos impostos cobrados entre aqueles que seriam destinados à Coroa (Johnson, H. Capitania donatária. In: Silva, Mª B. Nizza da. (org.). Dicionário da colonização portuguesa no Brasil,1994). Embora tenha sido aplicado com relativo sucesso em outros domínios portugueses, no Brasil, o sistema não funcionou bem e com o tempo a maioria delas voltou para a posse da Coroa, passando a denominar-se “capitanias reais.”. Em 1621, o território português na América dividia-se em Estado do Brasil e Estado do Maranhão, que reunia três capitanias reais (Maranhão, Ceará e Grão-Pará), além de seis hereditárias. A transferência da sede do Estado do Maranhão de São Luís para Belém e a mudança de nome para Estado do Grão-Pará e Maranhão, ocorridas em 1737, atestam a valorização da região do Pará, fornecedora de drogas e especiarias nativas e exóticas. Entre 1752 e 1754, as seis capitanias hereditárias foram retomadas de seus donatários e incorporadas ao Estado, enquanto, em 1755, a parte oeste foi desmembrada em uma capitania subordinada: São José do Rio Negro. Em sua administração, o marquês de Pombal extinguiu definitivamente as capitanias hereditárias em 1759. Esta decisão fez parte de uma reforma administrativa, levada a cabo por Pombal, que visava erguer uma estrutura administrativa e política que atendesse aos desafios colocados pelo Tratado de Madri, de 1750, segundo o qual “cada um dos lados mantém o que ocupou.” Também era uma tentativa de resposta aos problemas de comunicação inerentes a um território tão extenso que, de forma cada vez mais premente, precisava ser ocupado e explorado em suas regiões mais limítrofes e interiores. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dissolvido em 1774. Suas capitanias foram depois transformadas em capitanias gerais (Pará e Maranhão) e subordinadas (São José do Rio Negro e Piauí), e integradas ao Estado do Brasil. Entre 1808 e 1821, os termos “capitania” e “província” apareciam na legislação e na documentação corrente para designar unidades territoriais e administrativas do império luso-brasileiro.

[5] SECRETARIAS DE ESTADO DO REINO: Em 28 de julho de 1736, d. João V empreendeu um conjunto de reformas que tencionava tornar a administração pública portuguesa menos burocrática e mais ágil. Para isso, reorganizou as secretarias de Estado e atribuiu a elas instâncias mais precisas. Criaram-se, então, três secretarias: a dos Negócios Interiores do Reino; a da Marinha e Domínios Ultramarinos e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Este sistema vigorou por mais de 50 anos, sendo alterado somente em dezembro de 1788, com a instituição da Secretaria dos Negócios da Fazenda, cuja organização só se completou em janeiro de 1801. Apesar de serem todas igualmente importantes para a governação do Estado, destaca-se a relevância política e funcional da Secretaria dos Negócios Interiores do Reino, também chamada Secretaria de Estado dos Negócios do Reino que, além de exercer numerosas funções e atuar em diversas áreas, como nos negócios eclesiásticos e no expediente do Paço e Casa Real, mantinha uma relação mais direta com o rei, recebendo as suas consultas, tratando dos seus despachos e os remetendo aos tribunais. Desta forma, zelava pelo controle de todo o processo burocrático e de informação, adquirindo uma posição de centralidade diante das outras secretarias. A Secretaria de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos cuidava dos assuntos relativos à marinha de Portugal, no âmbito civil e militar (não bélico), e dos assuntos concernentes às colônias e territórios portugueses do além-mar. Englobava o Conselho Ultramarino, que compartilhava das mesmas competências. Já a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ficaria responsável pela política externa – como as negociações de paz, acordos comerciais, alianças e casamentos –, pelo exército e serviços relacionados – fortificações, armazéns de munições, hospitais – e administraria, ainda, a respectiva Contadoria Geral. Em 1808, com a vinda da Corte para o Brasil, os órgãos da administração do Império português foram recriados e a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino foi denominada Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil. Esta denominação foi alterada com a elevação do Estado do Brasil à categoria de Reino, em 1816, quando a secretaria voltou ao nome original, Negócios do Reino.

[6] VASSALO: Súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

 

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